A história do editor: Emerson Souza Guarani
Faço parte de uma nova geração de pesquisadores.
Minhas pesquisas sempre tiveram um encontro com uma descrição que inverte os
papeis durante o processo de pesquisa. Se Antropologia, Sociologia, História e ou
Psicologia e suas ciências buscavam nos grupos indígenas seu objeto de
pesquisa, hoje o “pesquisador indígena”
introduz um novo modelo dentro deste processo: os índios surgem não mais como
objetos de pesquisa, mas como sujeitos do conhecimento.
Emerson Souza, Guarani Programa Pindorama da PUC-SP
Sou um daqueles que posso afirmar “O ProgramaPindorama mudou a minha vida. Iniciei o cursinho Pré-vestibular [1] no campus de Santana
da PUC-SP em 2006, fui contemplado com o Premio Diversidade na Universidade,
patrocinado pelo Ministério da Educação e UNESCO. Em 2007 ingressei na PUC-SP
através, do Programa Pindorama, onde pude fazer o caminho que uniu o saber
acadêmico com as minhas buscas étnicas.
Durante os anos em que estive na graduação,
promovi amplo debate sobre a questão indígena. Minhas pesquisas no curso de
Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
aprovadas pela Comissão de Pesquisa do CEPE em iniciação científica, teve como
titulo: Memoria Guarani: história e genealogia dos Guarani Nhandeva da Terra Indígena do Araribá. Foi
transformado em
Trabalho de Conclusão de Curso com o título Memória Guarani – Historia e Genealogia da
Família Mboká da Reserva Indígena do Araribá, (Que ira ser publicado em breve) que contou toda a trajetória
de minha família até nossa vida na cidade grande. Pude no universo acadêmico desenvolver aquilo que muitos de
origem indígena gostariam um dia realizar, isto é: o resgate e a análise social de sua comunidade indígena e seus
desdobramentos.
Em 2009,
durante minhas pesquisas em uma das diversas visitas realizadas ao Museu Ferroviario de Bauru[2], encontrei um
material abandonado pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio- SPI[3] (tenho
dúvidas sobre este abandono) e fiquei surpreso, pois se referia justamente aos
documentos que datavam de 1931, justamente aquilo que procurava para realizar
meu levantamento genealógico, já que existia um grande vazio na pesquisa e que
agora poderiam ser completados. E este material poderia trazer também outras
possibilidades para um levantamento histórico e genealógico de meu povo, mas o
foco principal ainda será a restauração deste material para futuras pesquisas
junto à minha comunidade.
Ainda os mitos
colhidos por mim nessa mesma época, e ainda inéditos, foram utilizados no meu
Trabalho de Conclusão de Curso e transformados na Coletânea “A criação do mundo e outras belas histórias indígenas", lançado em parceria com o professor Benedito Prezia, em
novembro de 2011.
Durante meu segundo ano de curso de Ciências Sociais, idealizei uma proposta
para a coordenação do Programa Pindorama a de realizar uma semana onde se
discutisse a questão indígena na PUC-SP, contemplando as diversas etnias e
comunidades indígenas de São Paulo, e que oferecesse uma alternativa de debate
dentro da comunidade acadêmica e da sociedade em geral. Apresentei a proposta
ao grupo e pensamos em uma nova metodologia dentro de diversos mecanismos de
persuasão com mostras, debates, filmes e exposições da arte indígena. Tínhamos
um objetivo principal que era a contribuição indígena dentro de um processo de
formação que caminhava de forma recíproca, não apenas como receptores dos
conhecimentos da cultura ocidental, mas oferecendo elementos e reflexões acerca
de nossas culturas em ambiente acadêmico. Assim surgiu o evento
denominado Retomada Indígena.
Surge o Retomada Indígena na PUC-SP
Assim transformamos o mês de setembro num
momento forte para a discussão da questão indígena no Brasil. Pensamos em
setembro por se comemorar nesse mês a Semana da Pátria, o que poderia trazer
maior visibilidade ao evento e refletir sobre o país que estávamos construindo
e qual a participação e vida indígena dentro deste contexto. Realizamos cinco edições,
cada uma com um tema: Encruzilhadas eConflitos (2009), Da aldeia a cidade (2010), Povos Indígenas frente à sociedadebrasileira hoje (2011), Conquistas e desafios dos Povos Indígenas nos últimos20 anos (2012) e Estamos aqui, 500 anos de exclusão em 2013.
Em 2009 iniciei nova pesquisa intitulada A Educação Escolar no Centro Oeste Paulista, e fiz uma escolha que
mudou o rumo de minhas pesquisas. Minha nova pesquisa tinha como objetivo
analisar os conceitos, as práticas e o histórico da educação escolar indígena
na região do oeste paulista, precisamente da Terra Indígena do Araribá, no
município de Avaí, (já objeto de meu Trabalho de Conclusão de Curso) além de
mais duas áreas, a Terra Indígena de Icatu, no município de Braúna e a Terra
Indígena de Vanuire, no município de Tupã. Isso fiz junto ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade (EHPS) da PUC-SP.
Iria analisar as últimas transformações da
educação escolar diferenciada, de seus alunos, de professores indígenas, de
lideranças e do recente esforço na formação de professores universitários, na
busca da aprendizagem necessária para a garantia de seus direitos juntos a
sociedade não indígena.
Durante minhas pesquisas percebi que não seria
fácil realizar os levantamentos necessários. Estavam em andamento minhas
pesquisas de Trabalho de Conclusão de Curso e realizava durante este processo
levantamentos para o projeto sobre a educação Indígena. Em conversas com
algumas lideranças e professores indígenas observava que seria uma pesquisa com
grandes possibilidades e parcerias. Dirigi-me à FUNAI, com sede na cidade de
Bauru, e procurei o setor de Educação e protocolei o pedido, juntamente com
carta de apresentação do projeto.
Fiquei durante um ano coletando dados. Foi quando recebi uma carta da FUNAI
direcionada ao Reitor da PUC-SP, que entre outras coisas solicitava que as
permissões deveriam passar pela Secretaria Estadual de Educação através do
Núcleo de Educação Indígena (NEI), órgão responsável pela educação indígena no Estado.
Estava diante de um impasse já que o projeto era de nível
nacional, intitulado Momentos e Lugares
da Educação Indígena: Memória, Instituições e Praticas Escolares, vinculado
ao SECAD, órgão do Ministério da Educação.
Diante dessas investidas, decidi recuar e pouco foi feito e
produzido naquele momento. Essa atitude não é nova, segundo afirmam Dalva C. S.
Grizzi e Aracy Lopes da Silva: “a educação indígena, de orientação oficial,
caracteriza-se pelo desrespeito aos povos indígenas, mascarando-se através de
um paternalismo autoritário: aparentemente protege, quando no fundo, domina e,
portanto, destrói” (1980, p.17) Mas esta experiência me despertou para uma
questão a ser mudada que é a maneira pela qual a educação indígena é conduzida
em nosso país.
Concordo com a afirmação de Aracy Lopes da
Silva “As sociedades indígenas dispõem de processos tradicionais de
socialização e de reprodução de uma ordem social que é basicamente igualitária.
Tais processos constroem-se a partir de relações entre os homens e seu
ambiente; incluem sistemas sociais de classificação e avaliação da natureza e
das relações entre os homens; seu conteúdo exprime noções básicas das quais se
constitui a visão de mundo e a identidade própria de cada povo” (1980,
p.11). E de acordo com tais pensamentos
desenvolvo minhas pesquisas.
Em 2007,iniciei minha participação nos
encontros do Conselho de Articulação Indígena formada pelas lideranças
indígenas que vivem em contexto urbano e nas aldeias da capital paulista. Em
2011, num desses encontros conheci o Professor Danilo Guimarães da Psicologia
Cultural da USP, que nos visitava a fim de conhecer nosso grupo, formação e
lideranças indígenas que participavam do encontro.
Ainda em outubro de 2011, expus minhas idéias a
respeito da Lei 11.645/08 pela Coordenadoria dos Assuntos da População Negra
(CONE), da Secretaria de Participação e Parceria (SMPP), juntamente com o
Núcleo Étnico Cultural da Secretaria Municipal de Educação, órgãos da
Prefeitura Municipal de São Paulo. Estava diante de um tema que me fez repensar
alguns tópicos. Meu tema no seminário foi “Os desafios para se trabalhar a
temática indígena na sala de aula” e os “Recursos para a formação de
professores sobre História e Culturas Indígenas que culminou em uma proposta de
formação para os professores da maior rede Municipal do Brasil.
Emerson Souza, Guarani se aproxima da USP
Em Novembro de 2012, comecei a me aproximar da
Psicologia quando fui convidado por Danilo Guimarães a participar do Seminário
Psicologia Cultural e as questões Indígenas. O Tema principal da Mesa foi
“Psicologia e Saúde Indígena: Políticas Publicas e Possibilidades de Atuação.
Meu foco foi justamente abordar a questão da Saúde Indígena com o tema
“Experiências e Obstáculos na busca pela
efetivação do direito à saúde integral e diferenciada.”Nesta ocasião dividi
mesa com minha amiga Maria Cicera de Oliveira (Pankararu e Coordenadora do
Programa Pindorama PUC-SP), Vanessa Caldeira (Antropóloga e membro do Grupo de
Trabalho Psicologia e Povos Indígenas junto ao Conselho Regional de Psicologia
de São Paulo), Elizabeth Pastore (Psicóloga Social e Clinica, ex responsável
técnica pela área de saúde mental Indígena no Estado de São Paulo) e Carlos
Coloma (Etnopsiquiatra, médico do distrito sanitário Especial Indígena do Mato
Grosso do Sul). Foi neste momento que deparei me com uma nova abordagem da
Psicologia frente aos povos indígenas.
No início de 2013, fui convidado pelo Núcleo de
Psicologia Cultural da USP na qualidade de aluno especial do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia a participar da disciplina “Dialogismo e Perpectiva
no Construtivismo Semiótico Cultural. Foram momentos de intenso debate sobre a
temática indígena, a aproximação da Psicologia Cultural frente às questões e
aproximações, com novos pesquisadores, junto a Psicologia Cultural me fez
repensar o papel da Psicologia frente à Self indígena. Pude neste momento
apresentar um projeto sob o olhar da Psicologia no Âmbito da Educação. Durante
os seis meses discutimos questões relacionadas à vida e olhar indígena frente à
abordagem ocidental e penso eu, refizemos e propomos novos olhares aos demais
pesquisadores frente à questão. O Projeto apresentado para a Disciplina foi Lei
11.645: Sonho ou realidade. Neste momento voltado para uma nova perspectiva,
uma abordagem psico-social sob o olhar da Psicologia Cultural.
Ainda no ano de 2013, apresentei o mesmo
projeto para o mestrado através da Psicologia Cultural, ao qual desenvolvo
juntamente com o Núcleo de Psicologia Cultural na Universidade de São Paulo. Em
junho do mesmo ano a Convite do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo participei
do Evento “Colóquio Psicologia e Indígenas em Contexto Urbano: Identidade,
Direitos e Saúde Publica”, foi quando me aproximei do grupo de Trabalho
“Psicologia e Povos Indígenas” (CRP-SP).
E em 2014, como membro do GT
Psicologia e Povo Indígena junto ao Conselho Regional de Psicologia e do Núcleo
de Psicologia Cultural da USP, desenvolvo discussões sobre Políticas publicas
voltadas para a Educação com foco na temática indígena.
Emerson Souza, Guarani e o ensino superior
Posso afirmar que os caminhos percorridos a partir da
inserção do “titulo” no ensino superior que nos habilita para determinada
função frente à sociedade nacional, mais importante, é saber que nos transforma
em novas lideranças indígenas, com a possibilidade de estarmos em constantes
debates, sobre a questão indígena com especial foco à Educação, ainda nos
prepara como representantes de determinadas comunidades indígenas, nos
movimentos indígenas, nos conselhos de articulação indígena, na transformação
de políticas publicas voltadas para os povos indígenas no Brasil. Enfim, nos dá
maior abertura para pensar novas abordagens frente à Educação indígena. Afinal
a educação de origem ocidental existe e está posta, agora o que temos é
conhecê-la, compreendê-la, questioná-la e combatê-la com ênfase.
Busquei neste ensaio refletir sobre
as experiências e Políticas Publicas adotadas por instituições Publicas e
Privadas e os resultados na recuperação e fortalecimento da língua e linguagem
indígena frente aos direitos constitucionais, na formação de novas lideranças
indígenas, na transformação de leis que favoreçam a questão indígena e o
Protagonismo indígena presente em vários locais na cidade de São Paulo. São experiências
que fazem parte de políticas publicas em andamento e em fases de mudanças nas
estruturas quanto à introdução da temática indígena, em universidades e escolas
de ensino fundamental e médio em todo Brasil. Um caminho a ser trilhado pelas
diversas universidades no Brasil, que se transforme numa porta de entrada para
mudanças profundas em suas estruturas[4].
[1]
Cursinho preparatório para o Vestibular da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, foi extinto em 2014.
[2]
Museu da extinta linha Ferroviária Noroeste do Brasil, a 400 kilometros da
cidade de São Paulo. Existe uma grande dúvida nesta descoberta. Como documentos
oficiais foram parar neste Museu e porque?
[3]
Acusada de facilitar diversas atrocidades e genocídios de grupos indígenas, foi
substituída em 1967 pela Fundação Nacional do Índio.
[4] Quero destacar aqui que participaram deste processo vários atores
sociais: os indígenas Maria Cícera, Henrique Ubiratan, Bino, Dora, Rose, Rejane, Edicarlos, Luis Antonio,
Adonias Neri e Marlene F. Santos da etnia Pankararu, Josimar Potiguara, Antonio Mendonça Xucuru e
filhos, Edson Kayapó, Sandra, Avanir, Josimar
e filhos da etnia Fulni-ô, Sassa Tupinambá, Valdelice Verón (liderança
Guarani Kaiowá-MS), Jerry Matalawê (liderança Pataxó), Sarlene Soares Macuxi, Willian Eduardo, Sauma Katiane, Tânia Alessandra,
Ernestina da Silva, Xamã Francisco da Silva e Ermerinda da Silva, Anildo Lulu, da
etnia Guarani Nhandeva, lideranças indígenas Guarani Mbyá do Jaraguá, Timóteo
Popygua (Tenondé Porã), Jaciara Martin e Kátia Pereira da etnia Guarani Mbyá,
Joel Karaí Mirim, da aldeia Jaraguá e Representante Conselho Estadual Indígena
de São Paulo, Renato Ângelo Pereira e Joilda Pereira da etnia Pankararé, Irene
Xarin Kaingang e Ailton Xarin Mendes (in-memoria), Marcilio Silva Atikum, Yaporã e Kaihá da etnia Kariri Xocó, Paulo de Jesus,
Egina e Magna da etnia Kaimbé, Ailton, liderança Krenak e Inimá Krenak, Maria
das Graças Oliveira (in-memória), Hiparandi Top Tiro Xavante, Leopardo Yawabane Kaxinawá, e todos os
acadêmicos indígenas do Programa Pindorama e sobretudo ao prof. Benedito Prezia
(Pastoral Indigenista e coordenador do Programa Pindorama), prof.ª Lucia Helena
Rangel, prof. Miguel Ângelo Perosa, prof.ª Ana Maria Battaglin, prof.ª Marisa
Penna (coordenação do Programa Pindorama), os professores da PUC-SP, prof.
Rinaldo Arruda e Prof.ª Carmem Junqueira (Ciências Sociais), prof. Silvio
Mieli, profa. Célia Forghieri Cintrão, profa. Cleide Martins (Setor de
Bolsas-PUC-SP), Prof.ª Dorotéia V. Passeti e equipe, Aila, Wander e Sofia (do
Museu da Cultura PUC-SP), prof. Pe. Edélcio Ottaviani e Prof.ª Silvana Tótora,
Marta e Gisele (Foco Vestibular), Valquíria e José Antonio (Pastoral
Universitária PUC-SP), Prof. Edson Nakashima e Prof. Marcos Albuquerque, Dra.
Michael Nolan, Beatriz Maestri e Vanessa (CIMI) e Profª Maria de Lourdes,
Quezia Anita, Margarida Maria Alves, Maria Cristina Faria, Cleia Neri, as
Coordenadoras Rosemeire Aparecida e Claudia Coca, os assistentes Eunice Maria,
Elaine Barbosa, Raquel, os diretores Kátia Pereira Barbosa e Rosana Raimondi (Emef
Helina Coutinho Lourenço Alves), Cristiano Navarro (jornal Brasil de Fato), Bruno Martins, (graduando de Direito-USP) Regina
Lúcia dos Santos (Movimento Negro Unificado), direção do Colégio Santa Cruz,
Ivanilde Pereira (Funai), Marcos Aguiar (Projeto Índios na Cidade), Camila,
Marcio, Juarez e amigos de sala das
Ciências Sociais (PUC-SP). Ao núcleo de Psicologia Cultural, Danilo Guimarães,
Djalma Freitas, Suara Bastos, Marcel Lopes, entre outros. Ao Conselho Regional
de Psicologia, Lumena Celi, Veridiana Silva, Vanessa Caldeira e demais
companheiros do CRP, a Professora Maire Claire. Aos meus grandes inspiradores
Leandro e Thiago Justino, Amanda Soares e Pietro Anderson.