A PERSPECTIVA AMERÍNDIA NO ENSINO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ENTREVISTA COM O PROFESSOR EMERSON SOUZA


Em 2019, fui convidado por Josefa Alexandrino para uma entrevista para o Caderno da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. 


Resumo: A  entrevista  foi  realizada  em  20  de  setembro  de  2019  com  o  cientista  social  Emerson  Souza, professor  da  rede  estadual  de  ensino  de  São  Paulo.  Durante  a  entrevista, o  professor  relatou sua trajetória pessoal, expondo como a cultura escolar dificulta a constituição da identidade indígena. Analisou os desafios da efetivação da Lei 11.645/2008 que trata da obrigatoriedade da discussão da cultura afro-brasileira e indígena em sala de aula. Discorreu sobre a potencialidade da Sociologia, como  disciplina  escolar,  de estabelecer um  olhar  descolonizado  sobre  o  mundo  social  a  partir  da perspectiva  ameríndia. Por   fim, defendeu o  estabelecimento  de  um  conhecimento  escolar Inter étnico que valorize a simetria entre os saberes. Emerson Souza: É professor de Sociologia na EE. Jd. Wilma Flor, na zona Leste de São Paulo. É indígena da etnia guarani, formado em Ciências Sociais pela PUC-SP e mestrando pelo Programa de Antropologia da FFLCH-USP. Como pesquisador, estudou a memória e a genealogia do Povo Guarani da Terra Indígena Araribá. Pertence a uma nova geração de antropólogos que inverte o processo de pesquisa tradicional com os povos indígenas. Assim, os indígenas deixam de ser objeto de pesquisa para se tornarem sujeitos do conhecimento, constituindo o que vem sendo denominado como uma antropologia reversa.1Doutora em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo, membro da Comissão de Pesquisa da ABECS e da Unidade Regional de São Paulo.

Josefa Alexandrina Silva: Nos conte como sua trajetória pessoal o conduziu para a área acadêmica de Ciências Sociais.

EMERSON SOUZA: Eu vivi parte da minha infância na periferia de São Paulo onde estudei em escolas  públicas  da  rede  municipal  e  estadual.  Como indígena  vivendo no  contexto  urbano,  tive contato com a cultura da escola, onde os conhecimentos ensinados reproduzem acultura europeia. Eu não era identificado como indígena dentro da escola. Isso sempre foi um problema para mim. Como aluno indígena, percebia que minha identidade era uma questão que não se levava em conta. Muito  pelo contrário, estava postulado em  todas  as  disciplinas  escolares  um conjunto  de saberes que desqualificavam a cultura e aluta indígena. Quando a discussão indígena era trazida para a sala de aula, os indígenas apareciam nos conteúdos escolares de maneira romantizada, como era Ceci e Peri. Ou então, exaltava-se o indígena do passado, visto como primitivo e selvagem.  No entanto, esses indígenas a gente sabe que fazem parte de um capítulo da história e que não é a história atual. E tudo isso  era  um  incômodo para mim  porque  eu  vivia numa  cidade  como  São  Paulo, onde  o ensino público desqualificava grupos étnicos. Dessa maneira, eu e outros indígenas passamos por uma escola que era carregada da ideologia de um povo dominante. Sob esse ponto de vista, o ensino na escola vai substituindo e transformando a cultura indígena, fazendo com que elementos dessa cultura passem a ser substituídos pela visão positivista, pautada na ideia de ordem e de progresso. Como também na ideia de que os indígenas da cidade deixaram de ser indígenas. A minha família é do  interior  de  São  Paulo,  de  uma  aldeia guarani da região  de  Bauru, a 400km  da capital,  mas durante  a  maior  parte  da  minha  vida  escolar  estávamos vivendo  em  um contexto urbano. Na década de 1980 minha mãe retornou para a aldeia de origem e até hoje não voltou mais, não quer saber da capital. Eu retornei naquela ocasião com ela à aldeia, mas não fiquei muito tempo e acabei voltando para concluir os estudos. Entrei na universidadeem2006 com o objetivo de entender um pouco o que havia acontecido com a trajetória da minha família e como havia parado em São Paulo. Meu interesse pela pesquisa se intensificou quando percebi que grande parte  dos  indígenas  que  estavam  na  universidade  também  tinham  problemas com  as suas identidades por não saberem exatamente o que havia acontecido com as suas famílias. A maioria desses  indígenas  vinha  do  Norte e Nordeste  do  Brasil,  eram Pankararus, Pankararés, Atikum, Pataxós, Tupinambás, entre  outros. Os  indígenas  que participavam  do programa  Pindorama. O  Projeto  Pindorama  foi  um  projeto  que  surgiu  em  2001  na  Pontifícia  Universidade  Católica  de  São  Paulo.  O objetivo era de dar uma certa visibilidade para a presença dos indígenas que estavam vivendo em contexto urbano. O projeto se fundamenta em uma espécie de reserva de vagas, onde os indígenas passam pelo processo seletivo, disputam com todos os candidatos da universidade e os 12 melhores classificados nos seus cursos entram como bolsistas integrais. Da sua criação até hoje já se formaram 190 indígenas. 

A entrevista completa pode ser baixada no seguinte endereço: https://cabecs.com.br/index.php/cabecs/article/view/181/161

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